Crianças e adolescentes podem ser influenciados?




Crianças e adolescentes podem ser influenciados por ideias incutidas por outros?

Eu diria que não somente criança e adolescentes, mas os adultos também. Isso se dá por meio do mecanismo subjetivo chamado sugestibilidade. Em algumas pessoas, a sugestibilidade se manifesta em maior ou menor grau, porém há meios de aumentar e diminuir essa dimensão. Assim como nós humanos possuímos a tendência a sociabilidade, ou seja, uma disposição ao convívio social, a sugestibilidade também está presente e se refere a inclinação a sermos influenciados por outros.


Por favor, explique mais um pouco.

É a sugestibilidade que permite o efeito placebo no campo da pesquisa médica, por exemplo. Por isso os pesquisadores precisam controlar ao máximo as variáveis para evitar influências nos resultados. Na Grécia antiga, quando os oradores não se valiam de argumentos lógicos para suas falas, ele adotavam meios retóricos para ganhar disputas de discurso, e para isso usavam de uma falsa imagem de confiança, apelações a crença de deuses, etc. Tudo isso com objetivo de fazer sustentar suas falácias. Somos bombardeados por sugestões nas propagandas de TV, com apelações emocionais sugerindo bem-estar e segurança muitas vezes de produtos que não possuem utilidade prática em nossas vidas. O espírito de consumismo não teria poder algum se não existisse em nós isso que chamamos de sugestibilidade.


Então, um adolescente pode ser influenciado a usar drogas?

Somos influenciados o tempo todo a adotar e praticar as mais absurdas ideias, desde o uso de drogas ao suicídio coletivo. O freio a sugestibilidade é, de fato, o bom uso da razão. Precisamos lembrar que a droga faz um laço social, e muitas vezes essa iniciação se dá na chamada "roda de amigos" e por muitos vínculos sociais possíveis. Nem todos os adolescentes que sejam sugestionados a fazer uso de drogas, irão fazer. É preciso uma condição emocional para isso. Muitas dessas influências ocorrem a partir de uma fragilidade no relacionamento familiar. A insegurança e a incompreensão contribuem diretamente para isso. O adolescente fragilizado é uma porta aberta a influência. Quando ele menos espera surge o amigo que sugere dar o que lhe falta:  compreensão e segurança. Em troca desse favor emocional, ele sugere a adoção do uso de drogas, costumes e valores. Contudo, muitas vezes isso não é falado, e sim sugerido: “eu te adoto no que você precisa, e você igualmente me adota fazendo uso de práticas que demostrem que você é dos meus”. Porém os danos do uso de drogas não compensam o prazer que elas proporcionam, mas para quem está fragilizado isso não é percebido.


Você diz que “o freio a sugestibilidade é o uso da razão”, poderia explicar melhor?

O senso crítico nos livra da adoção das mais absurdas ideias. Ninguém nasce com ódio da nacionalidade, da cor, da religião de outras pessoas. Somos sugestionados a adotar essas ideias, seja pela educação doméstica, pelos costumes de práticas religiosas, ou o convívio com um novo grupo social. O simples exercício racional é capaz de nos livrar da compra de produtos que realmente não precisamos, do afastamento de amizades tóxicas, do ódio do outro que não torce pelo nosso time de futebol, etc. O que nos faz realmente humanos é o bom uso da razão, a capacidade de medir consequências dos atos que praticamos.


Como saber se alguém está nos influenciando, já que muitas vezes isso ocorre de maneira velada?

Preciso lembrar que existem influências positivas e negativas. Positivas são aquelas que nos fazem realmente "humanos" e, negativas, as que fazem o oposto. Porém, penso que independente da natureza da influência, ela precisa ser avaliada, analisada, racionalizada. Inclusive os argumentos que usei até o presente momento precisam ser avaliados, pois do contrário serão sugestões a serem adotadas. Contudo, o apelo emocional a algumas ideias sempre revelam um discurso perverso. Nunca encontrei alguém que, de maneira explícita, quisesse influenciar os outros a adotarem a prática da grosseria, do uso de palavras ríspidas, e de atitudes deselegantes com os outros. Geralmente essa  má influência vem escondida em um discurso macio e de apelo emocional cativante. Não é incomum ver lágrimas nos influenciadores. O agressor que subjuga sua vítima vem sempre oculto antes de mostrar sua verdade face. Nenhum assaltante grita a cem metros de distância:  — Perdeu, playboy! Ele se aproxima de maneira furtiva! Nenhuma mulher agredida por seu companheiro teve seu relacionamento iniciado com um soco no primeiro contato, geralmente foi dado início com um discurso macio e de promessas de proteção. Enfim, aqui passaria horas descrevendo muitos exemplos dessa ocultação de más intenções. Um dos sinais dessas influências é o apelo a elogios, pois de uma forma geral, as pessoas amam serem elogiadas, e isso é uma porta de entrada para essa influência dominadora. Quando o outro faz demonstrar que você é fundamental, rende favores sem causas aparentes, se mostra acolhedor e gentil desde o princípio, isso causa um afrouxamento do senso crítico e uma abertura a reciprocidade.  Porém quem irá dizer se estamos sendo influenciados nesses contatos? A resposta é: nosso senso crítico e o tempo. Certa vez, dando consultoria a um delegado sobre traços perversos na subjetividade do criminoso, tracei a seguinte recomendação: — Primeiro colhe-se provas materiais e, por último colhe-se o discurso, porque se for pelo discurso primeiramente, há um grande risco de inocentar o mais cruel dos criminosos. O perverso é um mestre na dissimulação e ele sabe o que você deseja. Se todos fossemos surdos e mudos, só haveria uma forma de mentir: em atitude! Mas geralmente as atitudes são as últimas a serem avaliadas, depois de sermos fisgados pelo discurso macio as atitudes já não importam!


Qual a relação disso com o Aikido?

Quando alguém veste um hakama, as sete virtudes simbolizadas nas sete pregas dele, devem ser adotadas na vida do próprio praticante! Não vestimos hakama nos outros... Nós o vestimos em nós mesmos, então esses valores devem ser adotados pelo próprio praticante e não nos outros! Uma das virtudes é GI, do ideograma que significa justiça. Essa justiça simbolizada no hakama deve ser adota em mim, na minha prática, e não aquela exigida aos outros! Você precisa saber seu verdadeiro valor , pois isso lhe preservará cair no encantamento de um elogio cheio de más intenções. Você precisa saber de si! Uma criança, adolescente ou adulto, que treinem nessa atmosfera e abracem esse propósito, não estarão livres da sugestibilidade, pois não conseguiremos ser racionais o tempo todo. Porém encorajados a uma prática que aplique na própria vida o senso crítico de GI (justiça), isso fará que as influências diminuam, pois "conhecer-se" é saber por onde somos fisgados!

Thiago Santana
Thiago Santana

Escola de Aikido

Um comentário:

  1. Sensei, muito obrigado pela reflexão. Há momentos que estamos tão certos de nós mesmos que não percebemos que estamos sendo influenciados negativamente por outros. Realmente nem sempre os que nos desejam mal, se aproximarão com sua verdadeira face exibida. Muito obrigado. Excelentes esclarecimentos.

    Gabriel

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